- Texto escrito em 2010 por Luiz Palma, em seu blog www.clubedevienna.com.br
- Dom, 04 de Abril de 2010 00:00
- Luiz Palma
A revista americana Forbes divulgou recentemente sua lista anual com os homens mais ricos do mundo. Nessa lista, o brasileiro Eike Batista ocupa a oitava posição. Há um ano atrás, Eike estava na posição de número 61.
Oras, galgar 53 posições na lista dos mais ricos do mundo em apenas um ano, não é algo que acontece todo dia, não é mesmo?
Exibicionismo: Eike e a Mercedes na sala de estar.
Mas será que Eike Batista é realmente um grande empresário que chegou para ficar, ou seu sucesso é apenas momentâneo e temporário, e depende mais de fatores circunstanciais, do que de uma suposta capacidade gerencial de longo prazo?
Será que ele é um “fogo de palha”, com uma grande equipe de marketing, ou realmente tem inúmeros talentos como empresário e “tocador de projetos”? Alguns setores da imprensa estão dizendo que Eike é a “segunda versão do Barão de Mauá”.
Para quem não sabe, Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, também vendia projetos antes que estes se tornassem operacionais.
O Barão captava alguns recursos no Brasil, mas principalmente no exterior, e então executava seus projetos. Ele construiu a Companhia de Iluminação do Rio de Janeiro, várias fundições de ferro, várias ferrovias, bancos (no Brasil e em outros países), e deu início à indústria naval no país.
No auge do seu sucesso, sua fortuna é estimada em torno de 60 bilhões de dólares (em valores atuais), o que o colocaria muito à frente de Eike, ao menos até o momento.
Além de grandes habilidades empresariais e de investimento, o Barão de Mauá também tinha uma mentalidade muito avançada para sua época. Quando questionado, por exemplo, sobre que recurso mineral ele daria ao Brasil caso fosse um Deus, disse que não daria ouro, mas sim ferro.
Segundo ele, o ferro representa o trabalho, a indústria, o progresso e o movimento, enquanto o ouro representava o atraso, a ociosidade da elite, e a escravidão, características que envolviam a mineração de ouro naquele tempo.
Irineu Evangelista de Souza – O Barão de Mauá
Para sabermos se a imprensa exagerou ou não sobre Eike ao compará-lo com o Barão, vamos compará-los mais atentamente, tanto em termos de trajetória e personalidade, como em termos do cenário macroeconômico que ambos presenciaram.
Vamos primeiros às semelhanças:
- Tanto Eike como o Barão de Mauá se aproveitaram do bom momento vivido pelo Brasil (principalmente devido ao ciclo de alta nos preços das commodities) para alavancar seus negócios.
- Ambos são bastante arrojados, parecem não ter receio algum de suas idéias. Eike é campeão de corrida de lancha, e o Barão de Mauá chegou a dar uma pá ao Imperador, e ordenar que ele fizesse um buraco no chão.
- Ambos captavam recursos de terceiros para realizar seus projetos.
- Ambos tinham sensibilidade aguçada para identificar qual o tipo de empresas de que o Brasil necessitava, ou seja, apesar de excessivamente confiantes, enxergavam e entendiam a necessidade dos seus supostos clientes.
- Ambos tiveram que superar dificuldades colossais no começo de suas carreiras. O Barão de Mauá simplesmente era um servente de boteco. Eike ficou anos morando na floresta amazônica para viabilizar alguns de seus primeiros projetos.
- Ambos eram “unha e carne” com o capital internacional, ou seja, tinham diversos contatos com proeminentes banqueiros estrangeiros.
- O estilo de administração deles é quase idêntico. Eles fazem o projeto geral, mas são descentralizadores. O sucesso (e os bônus financeiros provenientes dele) são divididos entre os seus principais executivos. Assim, tanto o sucesso como o fracasso, tem caráter mais local do que global.
Agora vamos às diferenças:
- O Barão de Mauá não conseguiu se integrar com os políticos brasileiros e acabou sendo fortemente prejudicado por eles. Imagino que Eike deva fazer de tudo para ter o apoio dos políticos, mesmo que tenha que doar 100 milhões de reais para Dilma e outros 100 milhões para o Serra. Vantagem aqui para o Eike.
- Além das dificuldades com os políticos brasileiros, o Barão de Mauá cometeu um erro terrível, ao tentar passar a perna nos “donos do poder” na época, uma proeminente família de banqueiros sediada em Londres, que tinham sido os primeiros a lhe emprestar dinheiro para o início de suas atividades. Talvez esse tenha sido seu maior erro, e lhe custou perder quase tudo o que tinha, apesar de no final da vida ter recuperado boa parte de sua fortuna. Eike parece melhor relacionado com os “donos do dinheiro”. Ao menos até aqui.
- Eike é bem mais sonhador, tem vida social bem mais plena, e sempre está nas “baladas” da vida. O Barão de Mauá era mais reservado, não gostava de bancar o “playboy”. Para ele, o negócio era trabalhar e fim de papo. Vantagem aqui para o Barão de Mauá.
- O Barão de Mauá ficou rico bem mais cedo do que Eike. O primeiro quase não cometeu erros graves no início de sua carreira, tendo amealhado uma fortuna considerável já com 30 anos de idade. O segundo cansou de falir empresas no início da vida, embora de maneira geral, tenha obtido mais acertos do que erros ao longo de sua trajetória até aqui.
- Eike tem uma equipe de marketing muito mais eficiente. Assim sendo, ele aparenta ser melhor do que realmente é. No caso do Barão de Mauá acontecia o contrário. O fato dele ter nascido pobre, e de ter se tornado um industrial em uma sociedade agrícola e conservadora, fez com que sofresse muito mais preconceito e perseguição. Fora isso, o Imperador o via com bastante reserva, pois sabia que a industrialização “rimava” mais com a República, do que com o Império.
- Minha intuição diz que Eike é mais “malandro”, enquanto o Barão de Mauá parecia ter um senso ético bem mais elevado. Eu disse intuição, ok?
Até aqui, podemos perceber que Eike é um grande empresário, que tem várias semelhanças com o Barão de Mauá, e que está fazendo o possível para não cometer os mesmos erros do Barão (como brigar com os políticos, não ter uma equipe de marketing para defender sua imagem, etc).
Mas há uma outra questão importante aqui. Se for comprovada semelhança também neste quesito, isso pode complicar a vida de Eike em um futuro próximo:
O Barão de Mauá quebrou, perdendo tudo o que tinha, devido principalmente à uma característica que pode ser vista como positiva: Sua ousadia. O problema é que, depois de tanto sucesso, a ousadia se transformou em arrogância, fazendo com que toda e qualquer prudência fosse descartada, selando de forma negativa o seu destino.
Segundo alguns historiadores, a ousadia suprema do Barão foi tentar passar a perna na família Rothschild, através de um episódio de especulação com a Libra Inglesa, utilizando seu banco no Brasil.
Há quem acredite que após esse episódio, sua “sorte” mudou, levando-o a perder tudo o que havia conquistado antes, por ter provocado a ira de uma casa que não estava acostumada a ficar do lado perdedor, e que detinha influência suficiente para dar o troco, cedo ou tarde.
Ousadia, quando vira arrogância, pode fazer com que os riscos não sejam avaliados de forma realista.
E é aqui que lançamos nossa questão:
Será que a personalidade de Eike é semelhante à do Barão nesse aspecto, ou ela permitirá que ele perceba o momento quando sua ousadia passar dos limites do razoável?
As “empresas X”, e o Vienna Fundamentalista
Depois de tanto falar de Eike, o leitor deve estar perguntando o que Vienna Fundamentalista pensa das “empresas X”, e se as recomendaria para alguma carteira, em algum cenário.
A resposta é um sonoro e estridente NÃO.
Há vários motivos que justificam essa postura, e abaixo, listamos apenas sete deles.
- Os múltiplos das empresas de Eike são por demais elevados em comparação aos seus pares e concorrentes. O curioso é que as suas concorrentes são empresas mais sólidas, maduras, comprovadamente lucrativas e maiores, enquanto as empresas de Eike são ainda apenas promessas, de um modo geral.
- As empresas de Eike não têm histórico de lucratividade.
- Estão muito expostas na mídia, sendo que as principais até já fazem parte do Ibovespa, o que naturalmente faz com que tenham um “prêmio” e não um “desconto” em relação ao seu valor intrínseco.
- Eike é muito bom de política, tem vários contatos e amigos, e paga “gorjetas bem gordas” para os banqueiros de investimento. Isso tende aumentar ainda mais o prêmio das ações.
- Ainda não existem evidências de que essas empresas sejam boas empresas para o longo prazo.
- Mesmo que sejam grandes oportunidades de longo prazo (e eu torço que realmente sejam), não existe margem de segurança em uma eventual compra aos preços atuais.
- Por outro lado, o downside potencial é muito grande, ou seja, se alguma coisa der errado, as cotações podem cair absurdamente, e não voltarem mais aos preços de hoje.
Embora no curto prazo as cotações das empresas de Eike possam continuar subindo fortemente, principalmente enquanto durar a farra do excesso monetário (consulte o Vienna Macrotrends para maior conhecimento desse assunto), nenhuma delas nos oferece o que procuramos no Vienna Fundamentalista.
Esta publicação está voltada para a busca de empresas comprovadamente sólidas e lucrativas para o longo prazo, e que devem ser adquiridas de preferência, com um bom desconto em relação ao preço considerado justo pelos modelos de Valuation.
E no caso das empresas de Eike, a total falta dessas características, é justamente o “X” da questão.